domingo, 17 de março de 2013

Nem Rambo, nem estrela do rock: os desafios do novo Papa

altA Igreja, valha a comparação, é uma empresa de carácter espiritual, cujos ativos são formados pela fé e pela santidade dos seus membros, e cujos passivos são as suas fraquezas. Daí o primeiro desafio do novo papa: elevar a temperatura espiritual de 1,2 bilhão de católicos dispersos pelo mundo todo, ou seja, aumentar os ativos espirituais da Igreja católica. Para dizê-lo em palavras do papa emérito Bento XVI: Nas últimas décadas, o poder do homem cresceu de maneira inimaginável… Mas não aumentaram as nossas capacidades morais. O grande desafio consiste em descobrir como podemos ajudar a superar essa desproporção". Nessa tarefa de potencializar “as capacidades morais" da Igreja, o recém-eleito terá de realizar uma ingente tarefa pastoral entre os fiéis católicos. Daí a necessidade de ele ter uma profunda espiritualidade.

O segundo desafio é abrir o mercado das ideias para os valores do espírito. Existe uma certa “banalização do mal”, que costuma se transformar em uma sutil ditadura do relativismo. Ela exigirá do papa uma grande fortaleza para tirar os crentes do abismo em que o “antimercantilismo moral” os jogou: uma espécie de medo de entrar no jogo da livre concorrência das ideias e dos valores morais, que costumam ser decididos além dos refúgios da decência moral. Medo que esconde uma falta de esperança na força atrativa dos valores cristãos. É preciso tirá-los dessa posição de fechamento em si mesmos, dessa “doença do absentismo”, que, enquanto a sociedade segue o seu curso, permanece alheia e indiferente às ambições, incertezas e perplexidades dos homens contemporâneos.

Um desafio geográfico

O terceiro desafio é geográfico. O primeiro milênio foi o da cristianização da Europa; o segundo, o do início e avanço do cristianismo na América. O terceiro, e nisto o novo papa terá um protagonismo especial, aponta como uma flecha para a Ásia e para a África. Não é casual que os dois últimos pontífices tenham viajado um total de quinze vezes para a África, e João Paulo II tenha ido treze vezes à Ásia.

Não deve ser esquecido que o grande novum do século XXI é o ressurgir das grandes religiões. A sociologia, cada vez mais claramente, identifica a dessecularização como um dos fatos dominantes do mundo no fim do século XX e no começo do XXI. Há um progressivo despertar do fato religioso na América, na África e na Ásia, que contrasta com as tendências secularizantes na velha Europa. O novo papa não poderá ser eurocêntrico, mas “mundocêntrico”. Precisará levar em conta o potencial das raízes cristãs da Europa, mas sem esquecer que o futuro do cristianismo está em outros continentes. Repare-se que o novo papa será a cabeça da religião com mais fiéis do mundo: 1,2 bilhão de católicos, dos quais 49,4% vivem na América e 15,2% na África.

Rambo e estrela de rock?

Existe uma reforma, estrutural, digamos, de enorme importância, que deixará em tensão a capacidade organizadora e reformadora do novo pontífice. Trata-se da preparação intelectual, humana e espiritual de 721.935 religiosos e 412.236 sacerdotes espalhados pelo mundo. Uma tarefa diretamente conectada com a eficácia dos maiores responsáveis, na Igreja, pela difusão da mensagem cristã. Não pode ser esquecido que os problemas de pedofilia são causados diretamente por uma notável falta de maturidade afetiva e intelectual em alguns seminaristas e, depois, sacerdotes. Algumas universidades católicas da América e da Europa, influenciadas pela revolução sexual dos anos sessenta, desenvolveram o ensino com uma concepção equivocada da sexualidade humana e da teologia moral. Como toda a sua geração, alguns dos seminaristas não ficaram imunes a este fenômeno e agiram, depois, de modo indigno. Evitar novos problemas e aumentar a eficácia da própria Igreja católica é algo conectado com este problema de formação.

Todos esses desafios, enfim, junto com o de injetar na humanidade a ideia de que a luta contra os grandes bolsões de pobreza não é só um problema de filantropia, mas um verdadeiro “impulso divino”, exigem uma grande força espiritual do novo papa. Isto não quer dizer que ele deva ser, como sugere o New York Times, uma espécie de novo Rambo com um quê de estrela do rock, capaz de lutar em todas as frentes.

O novo papa não está sozinho. Ele é a cabeça de um corpo espiritual imenso. O importante não é, agora, a “artilharia pesada”, mas o impulso à “infantaria ligeira” formada por um bilhão e duzentos milhões de católicos espalhados pelo mundo inteiro.

Por Rafael Navarro-Valls é catedrático, acadêmico e autor do livro “Entre o Vaticano e a Casa Branca”
Fonte: Zenit

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