domingo, 23 de junho de 2013

A natureza do sofrimento


Quando o sofrimento bater à sua porta, é melhor abri-la. Resistir ou negá-lo é apenas um jeito de fugir do que, mais cedo ou mais tarde, você terá de enfrentar.

Sofrimentos são naturais na vida humana. Eles acontecem no percurso dos fatos que nos envolvem.

Quando dizemos que algo é “natural”, nós o fazemos para demonstrar que não foi acrescentado, mas faz parte da vida. É natural, porque pertence ou refere-se às leis que nos regem e configuram a nossa condição humana. É natural, porque pertence à ordem das coisas que nascem espontaneamente.

Um dos grandes nomes da filosofia contemporânea, o filósofo Schopenhauer, num ensaio intitulado “Dos Fundamentos da Moralidade”, faz a seguinte pergunta: “Como é possível que o sofrimento, que não é meu nem me interessa, afete-me de imediato como se fosse meu e com força tal a ponto de impedir-me a ação?”.

A pergunta do filósofo é instigante. Para ele, o contato com o sofrimento do outro nos recorda quem somos. O sofrimento é uma espécie de espelho, por meio do qual nos enxergamos a partir daquele que sofre. Nele, o nosso sofrimento está refletido em sua totalidade. Ao encontrarmos o outro e sua precariedade, nele descobrimos a nossa verdade fundamental, nossa condição expressa e viva em toda criatura.

O filósofo teoriza aquilo que todos experimentamos na prática. O sofrimento é uma das molduras que dão sustento à nossa existência. É o tecido que envolve a vida.

Nós o experimentamos desde o momento de nossa concepção. Pesquisas comprovam que muitas crianças, no processo de gestação, já sofrem com a ansiedade e com alguma forma de sofrimento da mãe. Muitos medos e inseguranças, manifestados ao longo da vida, parecem ter raízes em rejeições acontecidas ainda na vida intra-uterina. Nem mesmo na proteção de nossa primeira morada estamos livres do sofrimento.

O nascimento também é uma experiência de sofrimento. O parto não é doloroso somente para a mãe, mas também para o filho.

Nascemos a partir de movimentos de contrações, isto é, em movimentos de estreitamentos, compressões, encolhimentos. As contrações proporcionam o movimento do ato de nascer. É por meio delas que a criança se encaminha para o mundo. A mãe sofre o processo de expulsar o filho de seu ventre. Toda a musculatura trabalha num mesmo objetivo – encaminhar a criança para o nascimento.

Ao perceber o movimento que a retira do ventre, a criança também inicia um processo de dor. Terá que sair da tranquilidade do útero, do lugar da segurança, para passar pelo estreito caminho materno que a conduzirá ao novo mundo.

Nascer já é uma forma de sofrer. Sofrimento físico e psicológico. Físico, porque envolve o movimento de esforço muscular, rompimentos, sangramentos. Psicológico, porque representa mudanças de fases para a mãe e para a criança.

O caminho estreito, por onde chegamos ao mundo, já parece ser uma metáfora do que será a nossa vida. Nem sempre as passagens são amplas, facilitadas.

Outra questão que já nos coloca diante de sofrimentos inevitáveis é a nossa condição de seres inacabados. Os especialistas nos ensinam que o ser humano é o ser vivo que nasce mais incompleto. Nossa incompletude nos expõe a muitos sofrimentos naturais, próprios de quem precisa de cuidados para sobreviver.

Nascemos incapazes de ficar eretos por nós mesmos, diferente de tantos outros animais que já se equilibram sozinhos logo após o nascimento.

Sofremos cólicas terríveis nos primeiros meses de nossa vida. São os movimentos de ajuste que a natureza faz aos poucos, conduzindo-nos às adaptações necessárias para cada fase.

Sofremos quando vivemos as distâncias dos que amamos. Sofremos com os afastamentos temporários, as primeiras experiências de solidão, quando, por necessidade comum à vida de todos nós, temos de ser cuidados por estranhos.

Sofremos e assim nos firmamos como humanos. Homens e mulheres que recolhem, diariamente, o sentido de ser o que são e de sentir o que sentem.

O inegável é o sofrimento humano, pois este é natural.



0 comentários:

Postar um comentário